16 de janeiro de 2008

Na Linha Da Utopia


A Identidade à Francesa!
1. A força cultural de certos países foi e vai imprimindo as suas próprias modas como hábitos de pensar e viver. Tantas vezes uma impressão quase imposição de modelos que, herdando momentos decisivos da história do passado, acabam por “ir à boleia” da sua memória não se vendo no presente como sair do pântano... Quantos clubes e mesmo instituições cristalizaram no tempo e nos seus tempos gloriosos passados! Claramente salta à luz do dia que, com a velocidade dos acontecimentos da história presente e na incapacidade da adaptação das tradições pesadas, o cordão umbilical da ligação à contemporaneidade se vai perdendo. Isto mesmo aplicar-se-á às linguagens, às instituições de ensino, às instituições políticas e mesmo religiosas. Hoje, o ritmo de tudo será diário, e numa transversalidade de processos andantes e, aos níveis institucionais, necessariamente transnacionais. Nada de novo; ou melhor, tudo novo, quando não, o comboio passa…
2. Neste sentido muito concreto, quase que se poderá perguntar: que vale ao Benfica ter uma história gloriosa se hoje a “coisa” não funciona? Que valerá aos portugueses a lembrança nostálgica dos feitos heróicos de há cinco séculos se hoje não se beber desse dinamismo criativo e visionário? Que vale à França ter marcado a história com uma Revolução Francesa (1789) de alguns valores universais, mas que depois se tornaram nacionalistas… conduzindo a sua própria história com défices interculturais? Enfim, tudo tem o seu valor… numa história que nunca se deve (nem pode) apagar. Mas por vezes parece que preside às relações das nações um contraditório: por um lado não se dá lugar às grandes mensagens históricas que construíram o património de valores universais, por outro, quando dá jeito, puxa-se pelos galões da história particular de cada nação para a garantia de superioridade sobre “o outro”…
3. A própria história, afinal, que se constrói todos os dias, encarrega-se de diferenciar positivamente o que tem valor. O segredo dos portugueses no séc. XV-XVI, da Holanda no séc. XVII e dos Estados Unidos no séc. XVIII-XX foi a capacidade de abertura cosmopolita, lendo a “diferença” como “complementaridade” numa unidade superior. O “fechamento”, quer por motivações políticas, filosóficas ou religiosas, sempre conduziram ao isolamento asfixiante, ao princípio do fim. O que acontece em França, diríamos, é consequência natural das opções seculares exclusivistas sobre os “outros”... Uma identidade “à francesa” que vai perdendo terreno no panorama social, cultural, literário, estando a cidade de Paris sem a “Luz” que outrora foi impulso na ordem da racionalidade.
4. Neste particular, Nuno Rogeiro há dias destacava que, diferentemente dos relacionamentos nas comunidades hispânicas e francófonas, as comunidades lusófonas vivem uma (quase generalizada) proximidade sadia… O que faz com que muitas das ex-colónias francesas e mesmo inglesas da África do futuro aprendam o “português” como a língua dos relacionamentos culturais e comerciais. Também as últimas presidências francesas têm demonstrado (e continuam) que, em termos de liderança e visão, a “razão” das luzes anda descolorida… Entre as múltiplas identidades como pertença futura, talvez a “identidade à francesa” como sinal de modernidade tenha os horizontes mesmo comprometidos.
Alexandre Cruz [16.01.2008]

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