crítica # reflexão # história da arte # museus # coleccionismo # mercado # personagens© EXPRESSARTE ▪ NOTAS DE ARTE E CULTURA CONTEMPORÂNEAS
Licenciada em Artes Plásticas - Escultura pela Faculdade de Belas-Artes do Porto, Raquel Gomes (Aveiro, 1977) tem vindo a explorar o conceito de ausência. Neste sentido, é particularmente relevante o facto da artista ter formação em escultura, dado que, na senda da estatuária, a quididade da escultura é a evocação da ausência de alguém ou de algo. Raquel Gomes explora, portanto, a ideia de ausência inevitavelmente associada à espacialidade do vazio que evoca, pela inanidade, o corpo ausente – a sua memória.
É neste universo conceptual que Raquel Gomes tem vindo a trabalhar, ao qual acrescenta a dimensão de género nitidamente patente na sua obra, quer temática quer tecnicamente. Assim, nesta série de trabalhos de 2007, a autora continua a empregar o mesmo tipo de técnicas previamente utilizadas, contudo aproximando-se, cada vez mais, da prática pictórica, sem no entanto abandonar esse sentido escultórico, perceptível através de delicados bordados e incisões na tela, utilizando-a mais como material têxtil do que suporte. Como resultado encontramos telas a sanguínea e goma-laca, com bordados pontuais e pequenos recortes que concedem uma maior tridimensionalidade ao suporte, afastando-o do simples registo pictórico.
Por outro lado, para além do carácter artesanal que Raquel Gomes outorga aos seus trabalhos, os próprios materiais eleitos e o virtuosismo manual contribuem para sugerir o âmbito das ocupações tradicionalmente conotadas com a esfera do feminino - alusão reforçada pelos títulos do conjunto de telas. De facto, as menções à literatura e ao imaginário que, durante um longo período, constituíram o referente educacional das jovens mulheres no Ocidente é explorado por Raquel Gomes de modo a criar instantes de memórias que facilmente reportamos a outras épocas. Assim, títulos como “Madame Butterfly”, “Folhos de Sinhá” ou “Minnie” verbalizam imagens de invólucros de corpos que se desenvencilham desses preceitos sociais enquadrados num passado que nos parece bem distante. Como se de pó se tratasse - esse ar que se respira ao abrir o baú de lembranças, caixas que encerram segredos e momentos. Nas obras “Caixas de Vaidades”, Raquel Gomes coloca objectos de vestuário, como sapatos, punhos ou colarinhos, realizados numa malha metálica que os converte em objectos ásperos, negando-lhes a sua função básica enquanto vestuário. Tal como nas telas, o que permanece é a essência, resquícios de desejos e silêncios.
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