Elogio da mediocridade
Acabo de receber uma mensagem e-mail de uma amiga que serve de base a este texto. Ainda há uns dias falava com ela sobre o assunto e, apesar de sermos pessoas optimistas, não pudemos evitar que alguma tristeza se abatesse sobre o nosso ânimo.
Claro que não somos pessoas de começar a dizer que isto está tudo mal e que só em Portugal é que certas coisas se passam, mas também não somos alegres tontos ou cínicos para não perceber que cá temos as nossas particularidades quanto à mediocridade.
Conta-se, e para o caso pouco interessa se é exacto, que Winston Churchill, depois de fazer o seu primeiro discurso na Câmara dos Comuns, foi perguntar a um velho deputado, amigo de seu pai, o que tinha achado da sua performance naquela assembleia de homens notáveis. Um comportamento – querermos saber se nos saímos bem – que, desde logo, é exageradamente recriminado entre nós, como sendo um excesso de vaidade ou ambição. O povo tem ditados para essa inveja, que não é exclusivamente portuguesa, “mas com o mal dos outros, podemos nós bem”. Pela higiene, eu prefiro este, com as devidas adaptações: “Não se pode ver uma camisa lavada a um pobre”.
O velho parlamentar disse então a Churchill, para não perdermos o fio da meada à nossa estória: «Meu caro jovem, você cometeu um grande erro. Não devia ter sido tão brilhante logo no seu primeiro discurso. Isso é imperdoável! Devia ter simulado tosse, gaguejado, mostrado nervosismo. Assim, conseguiu pelo menos uns trinta inimigos só de uma assentada. O talento assusta.»
Não vou agora tirar conclusões que todos já terão tirado. O sistema, apesar de tudo, permitiu que Churchill fosse um grande estadista, brilhasse e desse um importante contributo ao mundo numa época tão dura como foi a segunda grande guerra. Foi ele eleito para primeiro-ministro prometendo “sangue, suor e lágrimas”!
Imaginem, no entanto, o que se passaria no nosso parlamento. Para quem já assistiu a sessões nas duas câmaras, as diferenças são óbvias. E não ficamos nada a ganhar, não senhor. E depois dizem-nos que as pessoas não ligam nenhuma, não vão votar.
Os mais atentos estarão cansados de ver no parlamento, com as devidas e raras excepções, demasiados jovens gagos e “velhos marretas”, recostados no silêncio cómodo das altas bancadas, aprendendo antes a feitiçaria de contar espingardas e multiplicar votos, a geografia do caminho mais fácil entre dois pontos fulcrais: a eleição que já está e a que há-de vir.
Uma coisa que se começa a aprender em pequenino. O exemplo, como se sabe, é tudo. Em casa, na televisão, na rua, na escola. O esforço do trabalho árduo para atingir objectivos, de ir mais além fazendo uso das capacidades e da aprendizagem humilde, ganhando o direito ao reconhecimento, o gosto em brilhar – sem querer ofuscar ninguém -, não são nosso apanágio. Não gostamos muito quando o colega de carteira sobressai. Nivela-se por baixo. É uma cultura. Uma cultura sem culpados, porque, na verdade, todos o somos um pouco. Há mesmo professores, bem ao contrário dos anglo-saxónicos, que não se coibirão de apelidar de imbecil aquele que levantar o braço para responder e não acertar – este, em vez de ir para casa estudar, motivado, nunca mais quererá falar. Deja vu?
Estimular a inteligência será antes respeitar o esforço, corrigir com respeito pela tentativa, ser-se justo, apontar o caminho: trabalho, dedicação, humildade e não uma sorte qualquer, ser engraçadinho, copiar ou lamber botas.
Nós reprimimos quem quer brilhar pelo trabalho e fazemos, amiúde, o elogio do “chico-espertismo”. Assim, corremos o risco de promover a escuridão.
Bons dias de sol.
Acabo de receber uma mensagem e-mail de uma amiga que serve de base a este texto. Ainda há uns dias falava com ela sobre o assunto e, apesar de sermos pessoas optimistas, não pudemos evitar que alguma tristeza se abatesse sobre o nosso ânimo.
Claro que não somos pessoas de começar a dizer que isto está tudo mal e que só em Portugal é que certas coisas se passam, mas também não somos alegres tontos ou cínicos para não perceber que cá temos as nossas particularidades quanto à mediocridade.
Conta-se, e para o caso pouco interessa se é exacto, que Winston Churchill, depois de fazer o seu primeiro discurso na Câmara dos Comuns, foi perguntar a um velho deputado, amigo de seu pai, o que tinha achado da sua performance naquela assembleia de homens notáveis. Um comportamento – querermos saber se nos saímos bem – que, desde logo, é exageradamente recriminado entre nós, como sendo um excesso de vaidade ou ambição. O povo tem ditados para essa inveja, que não é exclusivamente portuguesa, “mas com o mal dos outros, podemos nós bem”. Pela higiene, eu prefiro este, com as devidas adaptações: “Não se pode ver uma camisa lavada a um pobre”.
O velho parlamentar disse então a Churchill, para não perdermos o fio da meada à nossa estória: «Meu caro jovem, você cometeu um grande erro. Não devia ter sido tão brilhante logo no seu primeiro discurso. Isso é imperdoável! Devia ter simulado tosse, gaguejado, mostrado nervosismo. Assim, conseguiu pelo menos uns trinta inimigos só de uma assentada. O talento assusta.»
Não vou agora tirar conclusões que todos já terão tirado. O sistema, apesar de tudo, permitiu que Churchill fosse um grande estadista, brilhasse e desse um importante contributo ao mundo numa época tão dura como foi a segunda grande guerra. Foi ele eleito para primeiro-ministro prometendo “sangue, suor e lágrimas”!
Imaginem, no entanto, o que se passaria no nosso parlamento. Para quem já assistiu a sessões nas duas câmaras, as diferenças são óbvias. E não ficamos nada a ganhar, não senhor. E depois dizem-nos que as pessoas não ligam nenhuma, não vão votar.
Os mais atentos estarão cansados de ver no parlamento, com as devidas e raras excepções, demasiados jovens gagos e “velhos marretas”, recostados no silêncio cómodo das altas bancadas, aprendendo antes a feitiçaria de contar espingardas e multiplicar votos, a geografia do caminho mais fácil entre dois pontos fulcrais: a eleição que já está e a que há-de vir.
Uma coisa que se começa a aprender em pequenino. O exemplo, como se sabe, é tudo. Em casa, na televisão, na rua, na escola. O esforço do trabalho árduo para atingir objectivos, de ir mais além fazendo uso das capacidades e da aprendizagem humilde, ganhando o direito ao reconhecimento, o gosto em brilhar – sem querer ofuscar ninguém -, não são nosso apanágio. Não gostamos muito quando o colega de carteira sobressai. Nivela-se por baixo. É uma cultura. Uma cultura sem culpados, porque, na verdade, todos o somos um pouco. Há mesmo professores, bem ao contrário dos anglo-saxónicos, que não se coibirão de apelidar de imbecil aquele que levantar o braço para responder e não acertar – este, em vez de ir para casa estudar, motivado, nunca mais quererá falar. Deja vu?
Estimular a inteligência será antes respeitar o esforço, corrigir com respeito pela tentativa, ser-se justo, apontar o caminho: trabalho, dedicação, humildade e não uma sorte qualquer, ser engraçadinho, copiar ou lamber botas.
Nós reprimimos quem quer brilhar pelo trabalho e fazemos, amiúde, o elogio do “chico-espertismo”. Assim, corremos o risco de promover a escuridão.
Bons dias de sol.
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