Elementar, meu caro Watson
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O desaparecimento de uma menina inglesa no Algarve há uns meses atrás não deixou ninguém indiferente, pelo que revela de maldade, pela certeza, entre tantas dúvidas, de que um acto imundo, desumano, foi cometido contra uma criança, indefesa, inocente.
A nacionalidade inglesa da família, a habilidade dos pais e a ajuda de elevado nível que parecem ter tido – basta ver a entrada em jogo do primeiro-ministro Gordon Brown e a recepção pelo Papa – garantiram uma mediatização do caso à escala global, o apoio generalizado da opinião pública à “família-vítima”, um reforço dos meios de investigação e até a recolha de fundos para apoiar o desígnio de encontrar a criança.
A nacionalidade inglesa da família, a habilidade dos pais e a ajuda de elevado nível que parecem ter tido – basta ver a entrada em jogo do primeiro-ministro Gordon Brown e a recepção pelo Papa – garantiram uma mediatização do caso à escala global, o apoio generalizado da opinião pública à “família-vítima”, um reforço dos meios de investigação e até a recolha de fundos para apoiar o desígnio de encontrar a criança.
Os pais de Madeleine promoveram, aconselhados a isso ou não, um circo mediático sem precedentes em casos deste tipo. Os seus esforços para manter o caso nas aberturas dos telejornais e nas primeiras páginas da imprensa escrita foram estrategicamente ponderados. Tiveram um apoio do estado britânico digno de família real. Foram, no meu entendimento, longe demais. Houve mesmo encenações de muito mau gosto, que, por mais que queiramos, não são inocentes. Basta relembrar as idas do casal à missa ou as saídas sempre de mão dada, com a mãe empunhando simbolicamente o peluche da menina (o tal que parece ter odor a cadáver). Jogaram com a comunicação social um jogo perigoso, usando-a, e mesmo manipulando-a, com informações diferentes consoante se tratava da portuguesa ou da inglesa. Procuraram, e, de certa forma, conseguiram (o que não é nada difícil), acender uma previsível guerra mediática nada favorável para este “país do sul”, de belas praias, mas inseguro e de polícias incompetentes. O também candidato a primeiro-ministro, Gordon Brown, já havia dito que iria diligenciar no sentido de pressionar as autoridades portuguesas – quem diria?!
Todas as entrevistas e declarações parecem ter sido cautelosamente fabricadas. Aquele que é o actual assessor de imprensa do primeiro-ministro tinha sido destacado pelo governo britânico para acompanhar o casal, o que fez até meados de Junho.
O controle emocional daquelas pessoas, no contexto do horrível desaparecimento, foi admirável, devo dizê-lo. Um amigo disse-me que não o devia estranhar, pois «os ingleses são assim, “mais frios”». Não sei porquê, estranhei à mesma.
Toda uma história foi-nos contada com um guião que, sendo um drama bem organizado, ia, a pouco e pouco, fazendo sobressair, falhas no cenário, nas personagens e nas suas deixas. Como quando estamos a ver um filme sobre Roma Antiga e vemos passar ao longe um avião a jacto ou nos apercebemos do bom gosto do Imperador quando deixa antever sob as suas vestes um Rolex em ouro. Quando a comunicação social, informada oficial e oficiosamente, começou a transpirar uma tese que contrariava o desaparecimento por rapto, logo os pais se prontificaram para usar o ataque como defesa. Há demasiadas coisas que não batem certo.
O bom senso aconselha prudência nos comentários e a espera obrigatória pelos resultados da investigação. Há demasiada poeira no ar. Há umas nuvens cinzentas a pairar sobre esta investigação que, como noutros casos, procuram, numa chuvinha persistente, anular a validade da investigação e limpar o cenário do crime. Já vimos como isso resulta e no que habitualmente resulta: em nada.
Seria* muito importante que a Polícia Judiciária tivesse mais cuidado com a forma como comunica, que tem sido vergonhosa e coloca em risco muito da sua credibilidade. Onde está, por exemplo, o seu director? Pouco se tem visto a esclarecer o que se tem passado e na defesa do trabalho dos seus homens que estão a dar o corpo ao manifesto.
Nisto tudo, tem estado bem o governo português, por oposição ao inglês, que ainda não se veio meter onde não é chamado. A investigação deve decorrer sem pressões, sem intromissões.
Todos desejaríamos que a verdade fosse diferente daquela que parece ser, que a menina estivesse viva, aparecesse e tudo acabasse bem. Cada vez mais afastada essa possibilidade, como se vai tornando evidente, é primordial que se descubra a verdade e se julguem os culpados.
No meio de tanta emoção pública e difícil discernimento, devo confessar que nunca consegui sentir a empatia generalizada com o casal McCann. Talvez por ter sempre considerado pouco consistente o seu discurso e os ver como culpados de uma negligência inadmissível. Como diria Sherlock Holmes, se for verdade que o casal de médicos sedava os filhos para ir jantar descansadamente com os amigos, a coisa já indicia uma atitude bem mais grave e personalidades bem mais complexas. Elementar, meu caro Watson.
Todas as entrevistas e declarações parecem ter sido cautelosamente fabricadas. Aquele que é o actual assessor de imprensa do primeiro-ministro tinha sido destacado pelo governo britânico para acompanhar o casal, o que fez até meados de Junho.
O controle emocional daquelas pessoas, no contexto do horrível desaparecimento, foi admirável, devo dizê-lo. Um amigo disse-me que não o devia estranhar, pois «os ingleses são assim, “mais frios”». Não sei porquê, estranhei à mesma.
Toda uma história foi-nos contada com um guião que, sendo um drama bem organizado, ia, a pouco e pouco, fazendo sobressair, falhas no cenário, nas personagens e nas suas deixas. Como quando estamos a ver um filme sobre Roma Antiga e vemos passar ao longe um avião a jacto ou nos apercebemos do bom gosto do Imperador quando deixa antever sob as suas vestes um Rolex em ouro. Quando a comunicação social, informada oficial e oficiosamente, começou a transpirar uma tese que contrariava o desaparecimento por rapto, logo os pais se prontificaram para usar o ataque como defesa. Há demasiadas coisas que não batem certo.
O bom senso aconselha prudência nos comentários e a espera obrigatória pelos resultados da investigação. Há demasiada poeira no ar. Há umas nuvens cinzentas a pairar sobre esta investigação que, como noutros casos, procuram, numa chuvinha persistente, anular a validade da investigação e limpar o cenário do crime. Já vimos como isso resulta e no que habitualmente resulta: em nada.
Seria* muito importante que a Polícia Judiciária tivesse mais cuidado com a forma como comunica, que tem sido vergonhosa e coloca em risco muito da sua credibilidade. Onde está, por exemplo, o seu director? Pouco se tem visto a esclarecer o que se tem passado e na defesa do trabalho dos seus homens que estão a dar o corpo ao manifesto.
Nisto tudo, tem estado bem o governo português, por oposição ao inglês, que ainda não se veio meter onde não é chamado. A investigação deve decorrer sem pressões, sem intromissões.
Todos desejaríamos que a verdade fosse diferente daquela que parece ser, que a menina estivesse viva, aparecesse e tudo acabasse bem. Cada vez mais afastada essa possibilidade, como se vai tornando evidente, é primordial que se descubra a verdade e se julguem os culpados.
No meio de tanta emoção pública e difícil discernimento, devo confessar que nunca consegui sentir a empatia generalizada com o casal McCann. Talvez por ter sempre considerado pouco consistente o seu discurso e os ver como culpados de uma negligência inadmissível. Como diria Sherlock Holmes, se for verdade que o casal de médicos sedava os filhos para ir jantar descansadamente com os amigos, a coisa já indicia uma atitude bem mais grave e personalidades bem mais complexas. Elementar, meu caro Watson.
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*Na edição escrita no Diário de Aveiro, por lapso, deixei passar a forma errada "Era" em vez de "Seria"
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