Xanana Gusmão, Alexandre Gusmão e Ângelo Ferreira Restaurante Casa Queimada, Díli, Julho de 2001
Esta fotografia é apenas parte de uma maior a que não tenho acesso onde estou. Na original estão mais umas pessoas que não posso deixar de referir: Profs. Carlos Couto (UM), Gabriel David (UP), Tomaz Dentinho (UAçores) e Francisco Diniz (UTAD).
Estávamos em missão em Timor, de uma semana, para organizar o projecto de cooperação de ensino superior. Nessa noite, fomos jantar à Casa Queimada onde, por acaso, Xanana jantava acompanhado da mulher e amigos. Como eu já conhecia o comandante, as pessoas pediram-me que lhe falasse para tirarmos uma fotografia com ele. Foi um momento muito agradável e animado de convívio.
Esta viagem seria muito marcante para mim. Especialmente no dia em que, de madrugada, saindo cedo do hotel, ainda a umas horas dos conmpromissos marcados pela Embaixada, vagueei pelas ruas de Díli ali próximas. Não conhecia nada e, portanto, ia à descoberta, procurando não me perder. Amanhecia e havia no ar aquele nevoeiro característico de Díli, que lhe dá um certo misticismo tropical, se juntarmos o calor permanente e os cheiros exóticos no ar.
Correndo atrás do cheiro das goiabas, fui dar a uma rua larga e muito comprida, que atravessava, ladeada por bananeiras, um bairro de casas humildes, a maioria destruídas (nos incidentes de 1999), outras construídas em chapa de zinco, mais recentes. A natureza era exuberante e abatia-se sobre mim com tal vigor que compensava em dobro, com a sua beleza, o aflitivo calor que se sentia, a sede crescente e o corpo suado, pegajoso. À medida que me embrenhava naquele verdejante e aromático percurso, começava a ficar mais nítido o cenário de fundo: a bela montanha que serve de guarda-costas a Díli.
Avancei por essa avenida, cumprimentando as simpáticas pessoas que ia encontrando e queriam conversar em português. Falámos de Portugal, Timor, das escola antiga, dos rios, das minas e dos apeadeiros da linha do norte em Portugal Continental, do Portugal do Minho a Timor, como antes se dizia e aprendia. Conversas surreais, muito divertidas, muito ilustrativas daquilo que se passou e passa em Timor.
Levei mais de uma hora a fazer cerca de trezentos, quatrocentos metros. A certa altura dou de caras com um muro alto do lado esquerdo, identifico um cemitério e, quando chego ao portão de entrada, quase desmaio. Estava à porta do cemitério de Santa Cruz! Quase dez anos depois das imagens que revoltaram meio mundo - sim, porque houve quem nunca se importasse -, eu estava ali, sem saber como, por coincidência feliz, eu estava ali. E reconheci imediatamente a capela ao fundo, mal se entra. Recordava bem aquelas imagens que me tinham levado a envolver-me, ainda que humildemente, na Causa Timorense. Aquelas campas por entre as quais as pessoas caíam, gritavam, eram atingidas pelas metralhas indonésias. E a capela, onde se via gente a rezar em português, um estudante baleado deitado no chão (Levy Coutinho, que veio a sobreviver e mais veio estudar para Coimbra), amparado por um colega. As imagens que Max Sthal fez e ajudaram a construir um caminho, um caminho para a liberdade.
Esse mesmo caminho que me levou a Timor, seguindo as pegadas da sorte e, talvez, de algo mágico, como o aroma da goiaba.